quinta-feira, 16 de abril de 2009

Before Sunrise


Você já parou pra pensar como é complicado começar alguma coisa?! Assim, digo começar do zero mesmo. Um namoro, um trabalho, um texto, uma barca de japonês.. enfim, tudo que envolve o verbo “escolher” é um problema. Só que tal drama pode aumentar ainda mais quando você se vê diante de diversas opções. Opções + escolha = inércia. Porém, tentando sair do movimento inicial igual a zero [só aprendi isso em Física] resolvi encarar o desafio e falar de um filme que tem tudo a ver com o próprio ato de começar algo. Afinal, nossas vidas geralmente começam antes do amanhecer.

Antes do Amanhecer (Before Sunrise, 1995) narra o encontro ocasional de dois jovens em um trem na Europa. A bela Celine (Julie Delpy) e o charmoso Jesse (Ethan Hawke) trocam seus primeiros olhares após ela trocar de poltrona no trem, devido a uma bizarra discussão entre um casal, em alemão, que atrapalha sua leitura. Um casal falando alemão, uma francesa e um americano. Globalização, babe. Encantada por Jesse, Celine decide aceitar seu convite e desce do trem pra viver aquele que talvez seja o dia de sua vida, numa Viena fria, crua, mas deveras romântica. Você pode pensar: ok, agora se seguirá uma sequencia de clichês sobre as diferenças culturais entre americanos e franceses. Certo?! Não, errado. O que acontece em Before Sunrise é que desde os roteiristas aos protagonistas onipresentes, e passando pelo diretor Richard Linklater, há um enfoque na utilização muito forte do comum, do corriqueiro, para justamente subverte-lo.A arriscada escolha por uma narrativa linear, que poderia tornar o filme arrastado e entediante, é justamente o que o dá fôlego. Se optasse por recursos narrativos como flash-backs ou flash-fowards, por exemplo, o diretor iria de encontro a toda a simplicidade da película. Aliás, talvez este seja seu grande trunfo: ser simples, mas passar longe do simplório. Apesar de uma premissa pitoresca - convenhamos que dois desconhecidos passeando por uma cidade estranha não é algo que aconteça todo dia - a forma como o filme se dá, abusando do lirismo e dos diálogos [ora densos ora banais] provoca um bem sucedido recurso de imersão profunda no filme. Isso ocorre também em virtude da direção que Linklater leva durante todo o filme: suave, leve, sem firulas, efeitos pirotécnicos ou closes desnecessários, nos transportando com tudo pra dentro da noite de Viena.

Contudo, Linklater ganha todos os créditos sozinho. Muito do êxito do filme é atingido pelo ótimo desempenho de Ethan e Julie, que aparecem em praticamente todas as sequências do filme. A liberdade dada aos atores para improvisar nos diálogos e nos gestos ajuda bastante a dar um clima mais intimista e convidativo ao filme. Além disso, a conexão que Jesse e Celine sentem está ali, presente em cada troca de olhares entre os jovens atores, como quando eles estão na cabine de uma loja de música onde os dois se olham e fogem do olhar um do outro. Uma sequência absurdamente eloquente, sem a presença de qualquer palavra.

É por essa fuga de antagonismos fáceis e de soluções simplórias ou carnavalescas em excesso, que Before Sunrise se destaca como um filme de estilo incomum, simples, arriscado e preciso. Se um dia encontraremos o alguém que nos complemente, como dois afluentes do mesmo rio [cena do poema, uma das minhas favoritas], que passaremos horas infinitas conversando - seja teorizando ou falando bobagem -, isso eu não sei. Entretanto, aquele cara com alma de um garoto de 13 anos e aquela grande mulher, antes desolada como a sua avó, que se encontraram antes de um sunrise se encontrarão de novo. É só esperar pelo sunset.

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